sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Sampa

O albergue
    Assim que cheguei em São Paulo, no terminal Tietê, fui à procura da assistente social, que fica na rodoviária mesmo. Não tinha uma assistente social bunitinha e com voz suave, e sim um senhor sério que aparentava uns 50 anos de idade. Ele me encaminhou para um albergue que se situa no Carandiru.
     Estava muito cansado, os pés doloridos por causa da longa caminhada. Devia ser uma hora da tarde e não tive que andar muito até encontrar esse abrigo. Às quatro da tarde já se podia entrar e o que eu mais queria no momento era deitar o meu esqueleto em uma cama bem maciinha.

    Dizem  que cabe umas 400 pessoas neste abrigo. É em um enorme galpão. Foram colocados vários banheiros químicos do lado de fora, para que o pessoal possa fazer suas necessidades. Por volta das duas da tarde já começa a se formar uma fila. Muita gente com a barrigudinha na mão, e, de vez em quando dando um trago na frente dos porteiros do abrigo, que são da guarda municipal. Achei estranho, pois a maioria dos albergues não permite que pessoas alcoolizadas entrem para a pernoite.
    Às quatro da tarde já havia uma enorme fila e a galera começou a entrar. Ali entra quem chega primeiro, não tem vaga marcada. A impressão, ao ver os usuários, é que a maioria não está a procura de trabalho, não sei se por falta de oportunidade ou por falta de vontade mesmo. Alguns usuários de droga, outros na barrigudinha mesmo, alguns idosos e alguns travestis. A dois quarteirões do abrigo, ao lado do DEIC, uma praça foi tomada por alguns moradores de rua com suas barracas. São pessoas que preferem morar nas ruas do que em abrigos da prefeitura, o que é até compreensível, ao ver esse abrigo do Carandiru, que não tem nem guarda-volumes! Temos que dormir com a mochila amarrada no beliche se não quisermos ter surpresas desagradáveis ao acordar pela manhã.
    Havia apenas dois chuveiros para os 400 abrigados, mas a fila não estava grande. Provavelmente grande parte do pessoal por ali  não gosta muito de encarar o "furadinho". (ducha)
    A noite foi meio complicada. Não sabia como as coisas funcionavam por ali assim que o sol se escondia no horizonte. Muitos caras não paravam de conversar de madrugada. Às vezes dava para sentir o cheiro de um baseado sendo acesso. A todo momento se ouvia a voz de alguém cantando, parecia ser um tenor. Cheguei a pensar que se tratava de uma gravação que estava sendo tocada essas caixas de som do Paraguai.
    Resultado: não deu para dormir e acordei um caco no domingo. Tive que dividir o beliche com a minha mochila, não fui maluco de deixá-la no chão. Na hora do jantar, quando eu me descuidei dela por um momento, já tinha um cara encostado em minha cama, e,assim que me viu, tratou de dar uma disfarçada.
    Depois do café fui para a praça ao lado do DEIC. Não poderia continuar naquele albergue, tive que ter estômago para usar o banheiro na parte da manhã. Não me acho melhor do que ninguém, mas aquele abrigo não é para mim.
    Como era um domingo, resolvi ficar na praça mesmo, e procurar um albergue melhor na segunda feira.
     De noite encontrei o responsável pelo tenor da madrugada anterior. Não era uma gravação, era um cara que não parava de cantar, e bem por sinal. Seu apelido era Pavarotti e ele não era gordo, aliás era bem magro,e gostava de uma barrigudinha. Já tinha ouvido falar que os gordos tem uma chance maior para se tornarem tenores, talvez por terem a caixa toráxica maior, sei lá. Talvez isso seja lenda também.
    Na segunda de manhã, depois de mais uma noite mal dormida com minha mochila, procurei um famoso albergue de São Paulo, o qual já ouvi ótimos comentários. Precisava urgentemente me desvencilhar de minha mochila, que há quase um ano faz parte do meu corpo. É como se eu tivesse engordado 11kg de uma hora para outra.
    Era umas sete horas da manhã quando me informaram que, para entrar no abrigo eu teria que primeiro passar uma noite naquele lugar, para depois fazer uma entrevista com a assistente social. Então, depois do almoço, já estava na fila da pernoite, pois uma vaga naquele abrigo é bem disputada. Já tinha uns dois caras na minha frente. O jeito foi arrumar um pedaço de papelão e esperar o tempo passar, conversando com o pessoal  que estava na fila. Por volta das quatro da tarde já tinha uns 40 caras atrás de mim. Tinha um que  dizia ser bipolar e, como não parava de falar um instante, deduzi que estava falando a verdade e que talvez estivesse na fase de mania, já que não tomava medicamentos.
    Por volta das nove da noite um cara abriu a pequena porta de ferro e foi aquele corre corre para entregar os documentos. Havia muitos nigerianos que não paravam de falar, acho que ora em francês e ora em outro idioma que desconheço. Um quase me atropelou, pois a mochila estava no chão na minha frente. Percebi que havia muita tensão e ansiedade no semblante de cada um que estava naquela fila. Afinal são apenas trinta vagas, e, pelas minhas contas, havia mais de 50 pessoas querendo entrar naquele lugar. Eu também estava um pouco tenso, pois, se não fosse escolhido, teria que armar a minha barraca nas ruas de São Paulo
    O funcionário do abrigo, depois de pegar os documentos da galera, pediu para que aguardássemos e entrou. Provavelmente iria conferir no computador se alguém tinha alguma pendenga com a justiça. Um cara me disse que estrangeiros e quem nunca havia passado pelo local tinham preferência para as vagas. Fiquei mais confiante. Será que vou conseguir uma vaga?
    Resposta no próximo post..

Obs: parece que já passei por isso antes. É uma sensação estranha. São Paulo, apesar de estar sempre na mídia, é uma cidade meio desconhecida para mim. Acho que não aprendi algo que deveria ter aprendido e por isso estou passando por esse tipo de situação novamente. Ou será apenas coisa da minha cabeça?
O importante é que não desisto, não vou ficar aqui me lamentando. Tenho consciência das coisas que faço e não me arrependi de ter saído de Ipatinga. As coisas boas que têm me acontecido nessas andanças superam e muito as coisas negativas que estão acontecendo neste momento. Vai ser uma luta, terei que ter muita paciência e sabedoria para que eu saia bem dessa situação. Tenho que pagar os meus empréstimos para poder voltar a morar em um quarto novamente, com uma tv( de tubo ou não) e um pc, é claro. Realmente é um recomeço, não é a primeira vez que estou nesta situação, mas desta vez foi consciente que vim parar aqui, então nada de choradeira e sim lutar para que eu consiga de volta as coisas que vendi.

Me desculpem os erros de português e de alguns outros erros de gramática. É que na lan house não tenho tanta paciência e dinheiro para ficar revisando o texto.

4 comentários:

  1. Desculpe a minha ignorância, mas o que quer dizer "barrigudinha"? Seu blog oferece excelentes informações sobre viagens.

    Eu gostaria de deixar uma sugestão para o seu acesso de internet nas ruas: existem lugares onde oferecem acesso gratuito de internet. Por exemplo, em São Paulo existem postos do "Acessa São Paulo". Aqui no Rio de Janeiro, o acesso são trinta minutos de cada vez, mas passados os trinta minutos basta entrar na fila de novo e continuar acessando.

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    1. Obrigado pela visita e pela dica, vou procurar o Acessa São Paulo amanhã mesmo, pois tenho que economizar o máximo possível, pois o que mais desejo no momento é ter um cantinho para morar e por isso tenho que economizar bem aqui em Sampa.

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  2. Opa, só agora que eu percebi o link para mais informações sobre "barrigudinha" Barrigudinha é pinga. Obrigado.

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    1. É um mundo particular, o dos trecheiros, dos viajantes, e das pessoas que moram nas ruas e os que já passaram na cadeia. O vocabulário é bem particular mesmo, estou pegando algumas palavras e depois irei postar o significado de algumas palavras mais usadas por esse pessoal.

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